Uma conjunção de fatores tensionou o relacionamento comercial intercontinental nas últimas décadas, provocando uma “ressaca da globalização” que tornou os países industrializados mais protecionistas, gerando novos desafios para a agricultura brasileira frente à concorrência externa, afirmou Christian Lohbauer, mestre e doutor em Ciência Política pela USP e diretor do Conselho de Agricultura da Fiesp.
A palestra “Desafios da geopolítica mundial e a inserção do Brasil como exportador de alimentos ” no Family Office Summit Brasil 2023, ocorreu no dia 23 de outubro, em São Paulo, e foi promovida pelo Fórum Brasileiro da Família Empresária (FBFE).
Entre os fatores conjunturais que resultaram no aumento do protecionismo e desordem mundial, Lohbauer citou os sucessivos conflitos fronteiriços, o ataque às torres gêmeas nos EUA, em 11 de setembro em 2001 e a crise do subprime, em 2008, que desequilibrou as emissões dos bancos centrais, deixando os países com dívidas nunca vistas.
“Com a pandemia desorganizaram-se as cadeias produtivas ao redor do mundo, que causaram uma ressaca da globalização, colocando em cena os protecionismos de mercado e enaltecendo o nacionalismo”, disse Lohbauer, que também atua como Conselheiro da Associação Brasileira de Agribusiness.
A nova ordem mundial traz oportunidades e desafios ao Brasil. Embora seja grande exportador de alimentos e a demanda continue alta, principalmente no Oriente Médio e Ásia, o país depende de poucos produtos, em boa parte commodities. Permanece a dificuldade de acessar mercados de maior valor como lácteos, pescados, frutas e legumes. Ele citou como exemplo o caso do acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia, que não tem apresentado avanços e deve completar quase 30 anos de indefinição.
“Se os europeus querem pagar mais caro na comida que consomem é um direito que lhes compete. Se querem exportar o modelo de produção deles, aí o problema é nosso. E temos que saber lidar com isso”, ressaltou no Family Office Summit Brazil 2023.
Apesar das adversidades conjunturais, o agronegócio brasileiro tem se desenvolvido muito nos últimos 50 anos. Esse desempenho positivo está associado a disponibilidade de recursos naturais como água, terra, sol, além do uso de novas tecnologias adaptadas à realidade nacional, mão de obra, empreendedorismo e estabilidade institucional.
A expansão agrícola registrada nas últimas décadas ocorreu sem que fosse necessário destruir o meio ambiente. A agricultura ocupa não mais do que 7,8% do território nacional, conforme a Embrapa. Segundo Lohbauer, há 90 milhões de hectares de pastagens degradadas que podem ser utilizadas ainda. “Dá para dobrar o uso da terra sem encostar em nenhum bioma”, declarou.
O agronegócio brasileiro tem condições de expandir a sua produção, contribuindo para a segurança alimentar do planeta, mas o país precisa conquistar novas fatias de mercado em produtos como lácteos, frutas, legumes, processados e pescados. “Há um mercado de US$ 700 bilhões esperando que o Brasil ocupe esse espaço. Para isso, é preciso investimento, tecnologia, logística, sanidade”.
“Para expandir a quantidade de propriedades agrícolas no país sem afetar o meio ambiente é fundamental continuar a investir em tecnologia, defesa vegetal, biodefensivos, biofertilizantes e biotech”, afirmou Lohbauer.
“O investimento ainda é para poucos. Temos hoje 5 milhões de propriedades agrícolas, das quais somente 300 mil estão no jogo da exportação de alimentos e apenas 35 mil exportam mais de 50% da produção”, citou. Ele destacou ainda a necessidade de ampliação do acesso às tecnologias para mais produtores.
O Brasil tem ainda a seu favor um processo de integração das cadeias produtivas que atendem os princípios da agenda ESG (Environmental, Social and Governance). “A matriz energética brasileira, por exemplo, já é 47% verde. Se for considerada a energia elétrica, a matriz é 82% limpa. Todo esse universo da energia limpa é vantagem para o país.
*Christian Lohbauer, mestre e doutor em Ciência Política pela USP, é diretor do Conselho de Agricultura da Fiesp, Conselheiro da Associação Brasileira de Agribusiness e membro do Grupo de Análise Internacional da USP. Conecte-se com o Chrstian Lohbauer pelo LinkedIn.