Maior produtor e exportador de açúcar orgânico do mundo e dono da Native, uma das mais reconhecidas marcas de alimentos naturais do país, com uma linha de 90 produtos, quer exportar para 60 países, o Grupo Balbo é referência global em agricultura regenerativa, que concilia produtividade com preservação ambiental e justiça social.
A virada sustentável começou nos anos 80, pelas mãos do engenheiro agrônomo Leontino Balbo, hoje vice-presidente executivo da Native Produtos Orgânicos, conforme relatou durante a apresentação do “Case Native: produtividade, rentabilidade e preservação”, no Family Office Brazil, promovido pelo Fórum Brasileiro da Família Empresária (FBFE) no dia 23 de outubro, em São Paulo.
Logo após se formar e começar a trabalhar na usina da família, em Sertãozinho (SP), Leontino Balbo deu início, em 1987, o maior projeto individual de agricultura orgânica do mundo. O Projeto Cana Verde é um modelo inovador de sustentabilidade, pois permite fazer a colheita de cana crua, sem a necessidade de queimadas, prática impensável naquela época.
“A primeira coisa que falei para o meu pai foi: vamos parar de queimar cana”. Naquela época, todo mundo defendia a queima de cana como a melhor forma de colheita manual. “A minha família tinha uma veia de professor Pardal – meus tios eram todos meio inventores dentro do setor, eles criavam implementos agrícolas. Então, eu caí na família certa”, contou Leontino Balbo.
A família Balbo emigrou da Itália em 1894 para trabalhar em fazendas de café no Brasil. O avô trabalhou com o rei do café, Francisco Schimidt, dono de 200 mil hectares de cafezal em Ribeirão Preto, numa das suas usinas. Depois de mais de 40 anos de trabalho, em 1946, o avô e os filhos montaram a sua própria usina, a Santo Antônio, em Sertãozinho, em seguida adquiriram outra usina e foram expandindo os negócios da família.
Criando a própria máquina
Inconformado com o dano que o processo de colheita provocava no solo. Ele explicou que a maioria das plantas tira o oxigênio da raiz, não das folhas. “A cana era queimada e a máquina que colhia essa cana era um terror, pois compactava o solo demais, matava a raiz da cana, e provocava uma perda de 20% do canavial. Além disso, era aplicado agrotóxico no solo” – Leontino Balbo continuou insistindo em mudar o processo. Até que a família deixou “o menino tentar, porque não tem nenhum inventor na próxima geração, estamos com falta de inventores”.
Começava então, dentro da usina, um longo trabalho, que consumiu cinco anos, 10 mil horas, entre tentativas, acertos e erros até ele conseguir desenvolver uma máquina apropriada para a colheita de cana crua. Em 1994, a usina já colhia 60% da área em cana crua num novo ambiente de produção, preservando a palha.
“Ninguém tinha acesso a uma máquina como a nossa. Criamos um sistema limpo de colheita de cana”, disse. O desenvolvimento desse novo modelo de produção, gerado pela aplicação de agricultura regenerativa, foi documentado por Leontino em 200 páginas e entregues para a Secretária do Meio Ambiente e Ministério Público. Inclusive o Secretário do MA, Fábio Feldman, foi pessoalmente conhecer o trabalho realizado nos campos da usina. O documento serviu de base para o governo e o Ministério Publico criarem uma lei proibindo as queimadas, segundo ele. Foi dado um prazo de 12 anos para que os produtores reduzissem gradativamente as queimadas.
A colheita foi mecanizada sem gerar desemprego. Os 700 cortadores de cana foram requalificados e se tornaram operadores de máquinas, motoristas, mecânicos, eletricistas, passando a compor os times de controle biológico, eliminando os inseticidas da plantação. Ao todo, as seis empresas do Grupo Balbo empregam 5.100 pessoas.
Nos 20.500 mil hectares de canaviais certificados são produzidos 1,5 milhão de toneladas de cana orgânica. A capacidade de produção de açúcar orgânico é de 100 mil toneladas e de 60 milhões de litros de álcool orgânico. Desses 60 milhões de álcool orgânico, 18 milhões são refinados e transformados em álcool extra neutro, para uso farmacêutico, alimentício e cosmético.
Criada em 2000, a marca Native produz 20% do açúcar orgânico comercializado no mundo e vem colecionando certificações e prêmios. A ONU a incluiu na lista dos 29 negócios mais sustentáveis do planeta. O World Economic Fórum incluiu a Native entre as 16 campeãs de sustentabilidade do mundo entre 2 milhões de empresas selecionadas.
A Native está presente em 6 mil pontos de venda no Brasil e possui 23 certificações, incluindo o selo Fair Trade de sustentabilidade, o mais reconhecido e confiável do mundo, que exige em contrapartida investimentos em projetos sociais. O Grupo tem uma cooperativa de crédito com 1.600 associados, tem universidade digital e ajuda a manter orfanatos e asilos.
Toneladas de bichos nos canaviais
Como a produção da cana não usa aditivos químicos, o canavial se tornou quase que uma reserva. Foram plantadas 2,5 milhões de árvores nativas para criar ilhas de biodiversidade ao longo das fazendas entre 1986 e 1994. Estudos realizados por especialistas da academia, revelaram que nos canaviais orgânicos, integrados às áreas de preservação permanente (APPS) existem 48 espécies em extinção que estão se multiplicando. O estudo identificou 340 espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, sendo que 122 são consideradas raras, como onça-parda, tamanduá-bandeira, lobo-guará, e 49 estão ameaçadas de extinção que adotaram o canavial orgânico como habitat alternativo. Foram identificados ainda 600 espécies de insetos, e mais de 240 de anfíbios e aves. “Em 70 km² de canavial nós registramos mais da metade da avifauna da Europa toda”, disse.
Foi realizado também um estudo da qualidade da água, com monitoramento até 25 metros de profundidade em postos nas matas e no canavial orgânico. A conclusão foi que a água embaixo do canavial orgânico está melhor que a da mata, porque há mais palha e o filtro biológico é mais potente. Ao mesmo tempo, foi verificado um aumento na quantidade de água em córregos e rios que cortam a propriedade e o surgimentos de novos córregos.
O Grupo Balbo foi também pioneiro na regulamentação e comercialização de bioeletricidade no Brasil. Construiu a primeira termoelétrica a biomassa de alta eficiência no país. Hoje, tem três termoelétricas a biomassa em operação que produzem 100 megawatts, dos quais 25 MW são consumidos e os outros 75 MW são exportados.
Não é à toa que a Fundação Ellen MacArthur, que apoia iniciativas pioneiras com foco na economia circular, elegeu o projeto Cana Verde como o mais bem-sucedido em agricultura regenerativa em larga escala.
Alimentar a vida do solo
Com uma estratégia de negócios direcionada às inovações e às iniciativas sustentáveis, Leontino Balbo queria dar mais um passo: eliminar o herbicida, produzindo a cana de forma orgânica, baseada em composto. Assim, durante 12 anos, ele se dedicou a estudar as origens da Terra, da vida, o Big Bang e a refertilização da terra. Começou a pesquisar as “nature-based solutions” e descobriu que existem cinco processos naturais que refertilizam a terra: atividade vulcânica, glaciações, atividade biológica, correntes aéreas e inundações.
“A natureza tem uma linguagem e temos de aprender essa linguagem para poder conversar com ela. Então, nós paramos de fertilizar a cultura e passamos a alimentar a vida do solo”, explicou Leontino Balbo. Com resultado dos estudos, Leontino passou a alimentar a biota (conjunto de organismos que habita ou habitou uma área específica da Terra), reciclando os resíduos industriais, fazendo rotação de culturas, e enriquecendo a palha de cana com matéria orgânica, com pó de pedra, que é rica em potássio.
“A palha não é um problema, não atrapalha a produção, é comida para a fauna, ajuda a bioatividade, que é o que produz húmus, aumentando a matéria orgânica”, explicou Leontino Balbo, vice-presidente executivo da Native, no Family Office Summit Brazil 2023.
Para salientar a importância da agricultura regenerativa e o estrago causado pelo uso de agrotóxicos no solo, ele citou um estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), que revela que mais de 25% dos solos do mundo estão num estágio tão avançado de degradação que eles podem parar de produzir. Mas se depender de Leontino Balbo o planeta não vai mais perder área agricultável.
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